O que é o Sistema Endocanabinoide e como ele atua em nosso organismo?
Publicado em 26 de fevereiro de 2021
Os canabinoides pertencem a uma classe de substâncias químicas encontradas em maior quantidade em espécies botânicas como a Cannabis sativa. Nas últimas décadas, estudos vêm demonstrando que o organismo humano possui alvos de ligação para estes compostos (chamados de receptores canabinoides), bem como sintetiza substâncias químicas muito semelhantes aos canabinoides – os endocanabinoides. Além disso, tanto os canabinoides quanto os endocanabinoides têm sido implicados na regulação de inúmeros processos biológicos e, desta forma, o potencial terapêutico destes compostos tem sido extensivamente estudado.
O sistema endocanabinoide é constituído pelos endocanabinoides (eCBs) anandamida (AEA) e 2-araquidonoilglicerol (2-AG), que se ligam a receptores canabinoides do tipo 1 e 2 (CB1 e CB2) presentes tanto no sistema nervoso central (SNC) como no sistema nervoso periférico (SNP). Enquanto a AEA atua como um agonista parcial de CB1 e CB2, o 2-AG é um agonista pleno dos receptores canabinoides, principalmente de CB1. Mas afinal, como estas substâncias atuam em nosso organismo?1
A AEA e o 2-AG são derivados do ácido araquidônico, um ácido graxo presente nas membranas celulares e que atua como precursor para a síntese de diversos compostos bioativos. A produção destes eCBs ocorre sob demanda do organismo e em resposta ao aumento da concentração de cálcio intracelular. Enquanto as enzimas N-acil fosfatidiletanolamina fosfolipase D (NAPE-PLD) e lipase de diacilglicerol (DAGL) estão envolvidas na produção de AEA e 2-AG, respectivamente, a degradação destes eCBs é mediada pelas enzimas amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH) e lipase de monoacilglicerol (MAGL).
Os receptores CB, por sua vez, pertencem à família de receptores acoplados à proteína G, e são classificados em CB1 e CB2. O CB1 é expresso principalmente no SNC, sendo o receptor acoplado à proteína G mais abundante do cérebro. Encontra-se amplamente distribuído em neurônios pré-sinápticos, medula espinhal e nos gânglios da raiz dorsal. Quando ativado, CB1 atua em diferentes mecanismos celulares, incluindo a inibição dos canais de cálcio dependentes de voltagem na membrana pré-sináptica de neurônios excitatórios e inibitórios, o que resulta no bloqueio da liberação de neurotransmissores (principalmente glutamato e GABA) na fenda sináptica, inibindo a neurotransmissão. Em contrapartida, estudos demonstram que a ativação dos receptores CB1 presentes na membrana celular de astrócitos promove a liberação de glutamato, favorecendo a gliotransmissão.2,3
Já o CB2, é encontrado em menor quantidade no SNC e está localizado principalmente no SNP e em células do sistema imune, incluindo microglias (células imunológicas do cérebro), macrófagos, células linfoides e mieloides, assim como em mastócitos. Embora os efeitos da ativação de CB2 ainda sejam pouco compreendidos, estudos sugerem que a expressão deste receptor encontra-se reduzida em situações fisiológicas e aumentada em condições patológicas, sugerindo um papel protetor deste receptor. Adicionalmente, a ativação de CB2 tem sido associada à estimulação da neurogênese, bem como à regulação do humor e da cognição.2,3
Além da interação entre eCBs e receptores CB1 e CB2, estudos demonstram que outros mediadores e receptores também podem estar envolvidos nas vias de sinalização do sistema endocanabinoide. A AEA, por exemplo, além de ativar parcialmente CB1 e CB2, também atua como um agonista pleno dos receptores vaniloides de potencial transitório 1 (TRPV1, do inglês “transient receptor potential cation channel subfamily V member 1”). O TRPV1 é um receptor amplamente expresso em neurônios periféricos, estando envolvido na regulação da transmissão sináptica associada à modulação da nocicepção e inflamação. Por fim, estudos demonstram ainda que os receptores PPARγ e PPARα, bem como o receptor acoplado à proteína G, GPR55, também podem ser regulados pelos eCBs, exercendo funções anti-inflamatória e neuroprotetora.2–6
Principais mecanismos de ação do sistema endocanabinoide.
Desta forma, o sistema endocanabinoide tem sido descrito como um dos sistemas bioquímicos mais complexos e relevantes do organismo humano, que atua em diferentes tecidos e órgãos modulando as respostas imunológicas, a comunicação neural, a sinalização celular, entre muitos outros processos biológicos. No trato gastrointestinal, por exemplo, a ativação dos receptores canabinoides modula a motilidade, a secreção do suco gástrico e hormônios, o apetite, bem como a permeabilidade do epitélio intestinal. Ainda, estudos demonstram o papel importante do CB2 na modulação da nocicepção, neuroinflamação e no desenvolvimento da dependência química.2,3
Principais processos biológicos regulados pelo sistema endocanabinoide no organismo.
Por estar envolvido na regulação de inúmeros processos do organismo humano, o sistema endocanabinoide tem sido amplamente estudado como uma abordagem promissora na prevenção e no tratamento de diversas doenças, como por exemplo, na depressão, ansiedade, fibromialgia e outras dores crônicas, síndrome do intestino irritado, condições dermatológicas, entre outras.
Além disso, você sabia que diversos nutrientes presentes em alimentos comuns da nossa dieta também são capazes de modular o sistema endocanabinoide? Estudos demonstram, por exemplo, que a salvinorina A presente em extratos das folhas de Salvia divinorum (espécie vegetal originária do México) atua como agonista de CB1, assim como compostos presentes na Kava kava (Piper methysticum), planta originária das Ilhas do Pacífico Sul. Já o falcarinol (carotatoxina), substância presente na cenoura, atua como antagonista dos receptores CB1, bloqueando sua ativação pela AEA.7
Além de regularem a atividade de receptores canabinoides, alguns fitoquímicos também podem interagir com outros receptores que estão envolvidos na modulação do sistema endocanabinoide, como por exemplo, os receptores TRPV1. Compostos presentes na pimenta do reino (Piper nigrum), no gengibre (Zingiber officinale) e na pimenta doce (Capsicum annuum) atuam como agonistas de TRPV1. Quando ativado, o receptor TRPV1 está associado ao estímulo da dor, permitindo a transmissão da informação sensorial ao SNC. No entanto, após a exposição contínua a agonistas, ocorre a dessensibilização do receptor e a mudança conformacional em sua estrutura. Assim, o receptor muda de um estado aberto para um fechado, o que diminui a transmissão do estímulo nociceptivo e contribui para um efeito analgésico. Os fitoquímicos encontrados na pimenta do reino, em particular, promovem a ativação dos receptores TRPV1 na mucosa esofágica, o que resulta em um aumento do movimento peristáltico do esôfago, melhorando o processo de deglutição.7–9
Devido ao seu sabor picante e pungente, diferentes espécies de pimentas pertencentes ao gênero Capsicum são utilizadas na culinária com a finalidade de condimentar os alimentos. Esta característica sensorial está relacionada à presença de um grupo de compostos capsaicinoides, tal como a capsaicina, que promovem a sensação de ardência quando em contato com a pele ou mucosas. Mais recentemente, inúmeros estudos vêm demonstrando que a capsaicina também exibe propriedades anti-inflamatória, analgésica, anti-pruritogênica e termogênica, que podem contribuir para o tratamento de quadros inflamatórios e de dor crônica.10
Dentre os principais efeitos biológicos associados à capsaicina destaca-se a ativação dos receptores TRPV1. O receptor TRPV1 é ativado principalmente por estímulos nocivos, incluindo temperatura superior a 42 °C, pH ácido (menor que 6,5), moléculas endógenas derivadas de lipídios, assim como substâncias exógenas pungentes (como a capsaicina). Embora este receptor esteja presente em diferentes tecidos e populações celulares no organismo, este é expresso em maior quantidade em nociceptores, que são aferentes de neurônios sensoriais responsáveis pela percepção de estímulos danosos e pela sensação de dor. A estimulação repetida do TRPV1 pela capsaicina resulta na dessensibilização deste receptor, o que dificulta a geração de novos potenciais de ação e inibe a transmissão da informação nociceptiva.11–13
Adicionalmente, a ativação do TRPV1 pela capsaicina reduz a expressão de mediadores inflamatórios, tais como enzimas cicloxigenases, citocinas pró-inflamatórias, fator de necrose tumoral (TNF-α), fator nuclear kappa B (NF-kB) e fatores angiogênicos. Este efeito está associado à ativação de receptores ativados por proliferadores de peroxissoma tipo gama (PPARγ) e inibição de proteínas tirosina quinase da família Src.14
Principal mecanismo de ação associado aos efeitos biológicos da capsaicina. Através da ativação do TRPV1 localizado em neurônios sensoriais (nociceptores), a capsaicina promove a dessensibilização deste receptor e bloqueia a propagação de potenciais de ação necessários para a transmissão da informação nociceptiva da medula espinhal até as áreas específicas do SNC.
A Palmitoiletanolamida (PEA) é um derivado de ácido graxo de ocorrência natural, biologicamente ativo e presente em alimentos como ovos, amendoim e grãos de soja. No organismo humano, a PEA é produzida a partir de lipídios de membrana e está amplamente distribuída em diferentes tecidos, incluindo o SNC.
A PEA pertence à família das N-aciletanolaminas, moléculas endógenas moduladoras dos receptores canabinoides, da qual também fazem parte outras amidas de ácidos graxos, como a anandamida e a oleoiletanolamida. Através da regulação destes receptores, a PEA atua como um agente anti-inflamatório e analgésico. Assim, em decorrência de suas propriedades farmacológicas, tem sido demonstrado que PEA Active® apresenta potencial terapêutico em diferentes condições clínicas (incluindo eczemas cutâneos, dores crônicas e doenças inflamatórias), além de exercer atividades neuroprotetora e imunomoduladora.15
Os efeitos analgésico e anti-inflamatório associados à administração de PEA envolvem a modulação da expressão e ativação de receptores canabinoides e vaniloides distribuídos em diferentes tecidos do organismo. Evidências apontam que PEA ativa os receptores GPR55 no cérebro, bem como pode ativar com menor intensidade os receptores CB1 e CB2. Além disso, também promove a ativação de receptores nucleares PPARs que, por sua vez, aumentam a expressão de GPR55 na membrana celular, reduzindo a cascata de sinalização do fator nuclear kappa B (NF-κB) e a produção de mediadores pró-inflamatórios. Ainda, PEA inibe a atividade da amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH), enzima envolvida na degradação de diferentes endocanabinoides como, por exemplo, a anandamida. Desta forma, PEA aumenta a disponibilidade destas substâncias no organismo.16–18
Diferentes estudos também associam a ativação de receptores vaniloides e canabinoides no tecido cutâneo com a modulação do prurido e do processo inflamatório. Desta forma, evidências apontam que a aplicação tópica de PEA promove a ativação destes receptores e auxilia no tratamento da dermatite atópica, reduzindo significativamente o prurido e a escamação da pele.19,20
Mecanismo de ação do PEA Active® no sistema nervo central. Diante de um estímulo nociceptivo, PEA ativa receptores canabinoides e vaniloides amplamente distribuídos pelo sistema nervoso central, periférico e autônomo, resultando no bloqueio de sinais dolorosos.
As informações fornecidas neste blog destinam-se ao conhecimento geral e não devem ser um substituto para a orientação de um profissional médico ou tratamento de condições médicas específicas. As informações aqui apresentadas não têm o objetivo de diagnosticar, tratar, curar ou prevenir qualquer doença.
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