Publicado em 30 de outubro de 2023

A natureza nos presenteou com uma infinita quantidade de moléculas bioativas capazes de produzir os mais diferentes efeitos no organismo humano. Muitas ainda não foram nem descobertas, mas contando apenas as que já conseguimos estudar, é grande a lista dos compostos com efeitos clinicamente interessantes.

Dentre elas, hoje vamos explorar um pouco as moléculas naturais – na sua maioria, extraídas de fontes vegetais – com capacidade de proteger as nossas células de mutações e de outros danos que podem ser o gatilho para o início ou desenvolvimento de um câncer. Essa classe é a dos nutracêuticos com ação quimioprotetora. Acompanhe até o final para conhecer algumas das principais opções disponíveis para suplementação.

Como o câncer se desenvolve?

Bem, para entender como proteger as células dos mecanismos que podem servir de gatilho para o desenvolvimento tumoral, primeiro temos que estabelecer pontos chave na iniciação ou desenvolvimento de um câncer.

O primeiro deles, e o mais fundamental na via cancerígena, é o dano ao DNA. Todos os tumores compartilham esse ponto em comum. Em algum momento, por alguma razão – que vamos ver adiante – ocorre um dano ao material genético das células. Isso pode afetar três principais características celulares: a regulação do seu ciclo celular, sua proliferação e os mecanismos de morte celular. E toda vez que essa célula se dividir, ela passará essas mutações adiante.

De uma maneira bastante resumida, uma célula cancerígena se divide numa taxa muito maior do que deveria e se esquiva dos mecanismos de defesa do organismo – ou seja, “escapa” da morte induzida, que deveria ocorrer naturalmente em um determinado momento. Isso cria uma massa de células desreguladas (um tumor) que pode crescer indefinidamente, e até mesmo criar seus próprios vasos sanguíneos para possibilitar sua nutrição – processo chamado de angiogênese. Em fases mais avançadas, células tumorais podem se desprender, atingir a corrente sanguínea e invadir outros tecidos, o que caracteriza a metástase.

Como os nutracêuticos podem ajudar nesse cenário?

Alguns nutracêuticos têm a capacidade de inibir mecanismos envolvidos no desenvolvimento tumoral ou estimular mecanismos de defesa antitumoral. Esses nutracêuticos são classificados como quimioprotetores, sendo importantes aliados na prevenção, e muitas vezes no combate ao câncer. Além disso, algumas opções combinam diferentes ações.

Antioxidantes

Um dos fatores que leva a danos celulares e mutações no DNA é o estresse oxidativo, que resulta do acúmulo de radicais livres. Nesse caso, compostos com capacidade antioxidante podem tem um efeito bastante interessante, seja por neutralizarem diretamente os radicais livres ou por induzirem um aumento do número ou atividade de enzimas antioxidantes endógenas.

É o caso da epigalocatequina-3-galato (EGCG) presente no chá verde, e da curcumina presente na cúrcuma. Esses compostos ativam a via Nrf2/ARE e aumentam a expressão de enzimas antioxidantes como a catalase (CAT), superóxido dismutase (SOD) e glutationa peroxidase (GPx). Outros compostos que também contribuem nesse sentido são a quercetina, o ácido elágico, os tocotrienóis (presentes no urucum), entre outros. ^1–5

Ação anti-inflamatória

A inflamação crônica é um fator de risco para o câncer. A EGCG, a quercetina, o ácido elágico (presente na romã) e a curcumina podem exercer efeito quimioprotetor ao reduzir a expressão de mediadores pró-inflamatórios – incluindo o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucinas-1β (IL-1β), IL-6 e IL-8, bem como as enzimas cicloxigenase-2 (COX-2) e óxido nítrico sintase induzível (iNOS). Os tocoferóis, encontrados nas oleaginosas, também são capazes de inibir a expressão de COX-2 e de prostaglandinas, além de reduzir os níveis de IL-6, IL-2 e TNF-α, inibindo a inflamação e reforçando a quimioprevenção. ^2–5

Pró-apoptóticos

Nesse caso, trata-se de compostos cuja atividade favorece os mecanismos de morte celular programada, facilitando a eliminação de células cancerígenas.

Estudos também demonstram que o efeito antitumoral da amigdalina (extraída de frutas como o pêssego) é decorrente da interferência no ciclo celular, interrompendo a proliferação e induzido a apoptose por regular a expressão de proteínas apoptóticas (principalmente capsase-3) e outras moléculas de sinalização. Já a EGCG, ativa as caspases-3 e 9, o que também induz a apoptose de células potencialmente cancerígenas. ^5,6

Já foi demonstrado que as isoflavonas, presentes na soja, modulam a via de sinalização kt/NF-κB, também induzindo a morte celular programada. E o licopeno, presente no tomate, regula as vias Bax e Bcl-2. ^7,8

Inibidores de angiogênese

Estes compostos impedem ou dificultam a formação dos vasos sanguíneos na massa tumoral. O desenvolvimento desses vasos é importantíssimo para o avanço do câncer, uma vez que possibilita o aporte de nutrientes para o tumor.

A EGCG e a curcumina também são capazes de suprimir o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), dificultado a formação de novos vasos sanguíneos e limitando o aporte de nutrientes para o tumor. Outros nutracêuticos que também inibem essa via são o indol-3-carbinol (I3C) e seu metabólito di-indol metano (DIM), além de aumentarem a expressão de interleucina 8 (Il-8), inibindo o desenvolvimento vascular. ^4,5,9

O consumo das fontes alimentares desses nutracêuticos é uma boa estratégia para reduzir os riscos de diversos tipos de câncer. No entanto, para aqueles que tem restrições quanto ao seu consumo, ou mesmo para facilitar o consumo das doses adequadas de um determinado composto, a manipulação pode ser uma excelente alternativa.

O universo que envolve o câncer é bastante vasto, e ainda estamos descobrindo diversos mecanismos de desenvolvimento e prevenção. Hoje trouxemos um apanhado geral, mas esse assunto com certeza ainda renderá muita discussão. Se você leu até aqui e sentiu falta de algum ponto ou de algum insumo, nos mande um e-mail com a sugestão que podemos esclarecer ou aprofundar em uma próxima publicação!